Isto não é um Diário

Zymunt Bauman, polaco de naturalidade, escreveu uma obra à qual dá o nome de Isto não é um Diário – apesar de efetivamente aparentar ser um. A obra foi publicada em 2012 no Brasil e traduzida por Carlos Alberto Medeiros. Famoso devido ao seu pensamento eclético, Bauman integra, nesta obra, as suas (in)satisfações acerca da vida. Em traços gerais, a obra é composta por pequenos fragmentos que abrangem reflexões sobre os mais diversos temas, transformando aquilo que aparentemente parece um diário em pequenos textos reflexivos.

Tal como refere na obra, Bauman não consegue pensar sem escrever e é nesse contexto que esta obra ganha quase a forma de um diário, que aborda os problemas sociais da vida contemporânea. No início – em 2010 -, Bauman debruça-se sobre o sentido e a falta de sentido da escrita de um diário. O texto, escrito na primeira pessoa, reflete as inquietações de Bauman ao explicar o que pensa, afirmando o próprio que aquilo que o motiva a escrever é a ausência da sua esposa, com quem foi casado durante 62 anos, algo que lhe traz ao de cima a necessidade de se exprimir através das palavras como que se de um diálogo – com a esposa – se tratasse.

Segundo o autor, a contemporaneidade traz consigo a naturalização das mentiras e, consequentemente, a aceitação de que as pessoas não são de confiança – algo que percebeu através da vida política, ao ver que é praticamente impossível confiar que aquilo que é prometido é efetivamente cumprido.Segundo Bauman, o espectro da mentira assombra tanto o mundo online como offline, fazendo referência à quantidade de mentiras que são publicas nas redes sociais e nos mais diversos sites e acreditando que estamos afundados numa sociedade marcada pela incerteza.

Refletindo sobre as condições de vida dos jovens hoje em dia, tendo em conta a era de consumismo que atravessamos, Bauman considera os jovens como “terras virgens” relativamente ao mercado. Neste sentido, a publicidade é maioritariamente dirigida a este público, já que estes vêm o consumo como sinónimo de inserção social, no sentido de pertença. Ampliando ainda esta discussão sobre o consumismo, o autor mostra que um dos fatores que mais interessa aos que vendem e promovem o consumo é o tempo – quanto menor tempo o consumidor “perder” até se desfazer de um produto, mais vantajoso sai o mercado. É neste contexto que há muitos produtos que têm prazos de validade muito curtos, ou são mesmo construídos com um nível de qualidade inferior. Sendo que esta ideia segue a lógica da sociedade de consumo, pode afirmar-se que tudo deve ser imediatamente consumido e deitado fora, para que o dinheiro não estagne e se mantenha em permanente rotatividade. O ideal é que as pessoas não parem nunca e consigam andar, comer, falar e estudar – tudo ao mesmo tempo.

Na obra é possível encontrar uma associação de pensamentos entre Bauman e Saramago, bem como é de fácil identificação a associação a jornais como o New York times e o Le Monde, a partir dos quais o autor reflete os temas neles contidos.

“Qual é, afinal, a diferença entre viver e contar a vida? Não faria mal aproveitar uma dica de José Saramago, fonte de inspiração que descobri há pouco tempo. Em seu próprio quase-diário, reflete ele: “Creio que todas as palavras que vamos pronunciando, todos os movimentos e gestos, concluídos ou somente esboçados, que vamos fazendo, cada um deles e todos juntos, podem ser entendidos como peças soltas de uma autobiografia não intencional que, embora involuntária, ou por isso mesmo, não seria menos sincera e veraz que o mais minucioso dos relatos de uma vida passada à escrita e ao papel”

Na conclusão da sua obra, Bauman baseia-se num texto de H. G. Wells, comparando os seus pensamentos, tendo como base uma ideia de deslocação – Wells no contexto da Primeira Guerra Mundial e Bauman ao longo de toda a sua vida, de várias formas. É possível perceber, com isto, que Bauman mostra não só as suas inquietações como as suas fragilidades pessoais. Ao terminar com a partilha do pensamento de Wells sobre as transformações no mundo e as mudanças na sociedade, Bauman mostra a sua vontade de ver acontecer uma sociedade livre, onde todos têm perspetivas de autorrealização e saúde, não havendo mais escravos, pobres ou pessoas inferiores a outras. Algo pelo qual vale a pena sempre continuar a lutar, segundo o próprio.